pregando capitalismo
Eu tive um professor na faculdade que mudou radicalmente o meu jeito de ver o mundo. O nome dele é Daniel Andrade.
Me lembro até hoje dele fazer a sala toda repetir “o valor de uma mercadoria é o tempo de trabalho SOCIALMENTE necessário para criação da mercadoria”.
Essa frase está ligada a uma vertente de pensamento polêmica, o marxismo.
Mais polêmico do que essa linha de pensamento, era o palco onde ela estava sendo divulgada: o curso de Administração de Empresas da FGV EAESP.
A verdade é que nem todos gostavam das aulas do Daniel. Muita gente era cética quanto à utilidade das mensagens que eram passadas.
“Isso é utópico”, “o mundo não funciona assim”, “isso é coisa de comunista”, diziam os alunos de graduação.
Para a surpresa de ninguém, nenhum capitalista virou socialista no final do curso.
O que aconteceu foi a evolução de muitos capitalistas ingenuamente irresponsáveis para capitalistas mais humanos e conscientes.
Me emociono ao lembrar da última aula do Daniel, que terminou com uma histórica salva de palmas. Nos meus 4 anos de graduação, não vi nenhum outro professor ser aplaudido ao final de um curso. Devo muito à essas aulas.
Poucos professores eram tão dedicados, verdadeiros e humanos como o Daniel. Sua escolha de temperar o pensamento capitalista do curso da FGV com pitadas do pensamento socialista foi corajosa e eficaz.
Corajosa porque ele teve que aceitar ser taxado de “vendido” pelos seus colegas da esquerda. Pelos colegas da direita, ele era o “socialista de iPhone”.
Eficaz porque se você quer ajudar a qualidade de vida dos trabalhadores, uma das melhores coisas que você pode fazer é ensinar empresários a ver seus funcionários de maneira mais justa e humana. Isso é muito mais eficaz do que ter críticos do capitalismo ensinando críticos do capitalismo a criticar o capitalismo...
Eu troxe essa história toda porque recentemente vivi algo parecido.
Eu recebi um convite para falar sobre trabalho na igreja. No começo, fiquei com medo de ser visto como o equivalente ao “vendido” ou “socialista de iPhone” pelas pessoas que convivo.
Para os ateus e agnósticos, o Otto agora é o cara que “mistura Deus e trabalho”. Para os cristãos, o Otto é o empresário herege que vai pra Igreja pregar o “capitalismo do mal”.
Mas eu percebi que isso tudo é coisa da minha cabeça.
E tomar decisões pensando no que as pessoas vão pensar de mim é uma forma covarde de viver. E, assim como o Daniel fomentou um capitalismo mais humano ao temperar o capitalismo com pitadas de socialismo, decidi topar o desafio.
A convite da por amor, topei o desafio de fomentar um evangelho mais prático ao temperar as lições da pregação de domingo com pitadas do mundo do trabalho de 2ª a 6ª.
Queria compartilhar parte do resultado dessa empreitada (se você quiser ver o vídeo todo, o link tá aqui).
Minha palavra na igreja foi dividida nos 5 pontos abaixo.
reconheça o humano no outro. Pessoas não são máquinas. Números nunca podem ser levados em consideração no vácuo. Enquanto números nos ajudam a ver sentido em coisas complexas, o sentido das coisas complexas são as pessoas por baixo dos números. Reconhecer o humano no outro é um hábito prático de grande dificuldade de execução, não um aprendizado teórico / racional que qualquer pessoa entende.
se comunique de acordo. Não adianta você ver o outro como um ser humano e, na prática, tratar ele como uma máquina de cumprir demantas. Dê contexto. Respeite os espaços de descanso e necessidade de autonomia. Saiba separar suas necessidades dos seus sentimentos. Um excelente livro aqui é Comunicação Não Violenta. Uma ferramenta de trabalho interessante são os OKRs, que misturam métricas com uma narrativa forte.
crie relações de confiança. O ativo mais vital para qualquer cultura é a confiança. Passamos da época em que o valor das coisas está na obediência, no comando e controle. Você não conquista confiança com força. Você conquista com a conexão que só a vulnerabilidade é capaz de trazer. Chefes não sabem de tudo. Funcionários não sabem de tudo. Precisamos reconhecer isso. Na Mais Mu eu faço uma conversa aberta semanal com o pessoal, além de expor vários dilemas de dentro e fora do trabalho pro time me conhecer melhor. Tô longe de ser bom nisso, mas sigo tentando.
colabore. Nada que é grande e relevante é feito sozinho. E se você quer uma cultura de donos, esteja disposto a ter uma empresa de donos, onde os funcionários podem ser sócios (ou corra o risco de ser visto como hipócrita). Se você quer saber mais sobre como criar uma empresa onde o time pode ter participação acionária, estude Stock Option Plan.
colha resultados além do dinheiro. Resultados relevantes são consequência da colaboração. Colaboração é consequência de confiança. Confiança é consequência de boas intenções bem comunicadas. Não há muito segredo… Você pode até ganhar rios de dinheiro fora dessa lógica, mas não vai ser tão fácil ter um resultado emocional positivo.
Espero que esses 5 passos simples possam fazer cada vez mais parte dos hábitos do nosso dia a dia.
No fundo, a relação de trabalho tem evoluído muito e isso é extremamente… cristão.
Evoluímos de um mundo onde escravidão era a norma, para um mundo onde o trabalho passou a ser (mal) remunerado. Saímos do escravo refém para o proletário pobre. Saímos do péssimo pro ruim.
O proletário pobre do passado deu lugar ao funcionário de hoje. Se antes o trabalho mal pagava as contas e a dignidade dependia de você ser dono dos “meios de produção” (leia empresa), isso mudou. Hoje um bom trabalhador em uma boa empresa é capaz de mudar de vida pela sua força de trabalho e não por ser “dono dos meios de produção capitalista”.
No limite, temos empresas que premiam seus colaboradores com participação nas empresas (lembra do time de donos?). Nesses casos, o trabalhador e o empresário dão as mãos e jogam junto em busca de melhores produtos e soluções para seus clientes, sócios e colaboradores.
Mesmo que um passo curto de cada vez e longe do destino final, essa crescente colaboração é, no limite, uma caminhada em direção ao céu, que começa aqui na Terra.
vaMU junto,