remédio
Eu e minha esposa resolvemos mudar de país por um mês. Viemos para Nice, no Sul da França. Um lugar que, pelas linguas que se ouve na rua, o brasileiro ainda não descobriu.
Férias?
Não exatamente.
O objetivo foi mais testar um modelo de vida diferente. Ser “nomade digital” por um tempo.
Não ficamos tempo o suficiente pra validar o que Tom Jobim disse sobre a vida fora do Brasil (“Morar nos exterior é bom, mas é uma merda. Morar no Brasil é uma merda, mas é bom"), mas acho que existe uma vida pré e uma vida pós essa viagem.
Vou contar aqui 3 porquês dessa experiência ser divisora de águas.
1. além do que dá pra fazer de casa.
Acho que o mundo digital ampliou muito o que a gente pode fazer de dentro de casa. Ao mesmo tempo, o mundo digital ampliou muito o que a gente pode fazer fora de casa.
Mas é curioso. Acho que a gente pegou muito mais da primeira parte (trabalhar de casa, pedir comida em casa, ver fime em casa) do que da segunda (trabalhar de outro lugar do mundo, ir em restaurantes diferentes, ver um mar diferente).
Um dos motivos pra isso, na minha opinião, é que a acessibilidade que o digital traz à realidade do outro tem um efeito duplo. Ao mesmo tempo que essa acessibilidade nos aproxima, ela traz a ilusão de que já somos próximos. É como se a exploração do distante deixasse de ser tão interessante uma vez que tudo parece tão próximo. É como se, depois do trailer, o filme perdesse o interesse e a gente quisesse ver outro trailer. Entende?
“Ah, legal essa brisa ai, mas esse não é o motivo não. A real é que morar fora é caro”, você pode pensar.
Bom, é natural que pense isso. E o sul da França é caro mesmo, não vou mentir. Queria que fosse mais barato.
Agora, tem muito lugar barato e interessante. Não bota fé? Dá uma olhada nesse link. Você tem um ranking de cidades pra trabalhar remoto, com preço médio, notas para segurança, qualidade da internet, receptividade dos locais. Ah, e o Brasil não é tão barato assim ;)
No limite, achar que é caro é um viés. E isso nos leva ao 2º ponto:
2. remédio contra viéses e pontos cegos
Morar fora por um tempo tem sido um remédio contra meus viéses e pontos cegos.
O óbvio foi colocado em cheque. O escondido foi encontrado.
Parece óbvio que o sol se põe entre as 18h ou 19h. Ver o dia virar noite entre 20h e 21h (que é comum aqui nessa época do ano) muda um pouco seu jeito de ver as coisas.
E se quando você saísse do trabalho você ainda pudesse ir ver o por do sol no parque (ou na praia)?
“Ah, mas de férias eu vejo isso… Não preciso trabalhar fora do país…”
Não pegue o exemplo pelo todo. Férias são um ótimo remédio contra viéses e pontos cegos. Mas algumas sutilezas só se pega no dia a dia (como academias cheias de idosos, lojas para aparelhos de ouvido por toda parte, viver em um prédio sem elevador, o fato de todos os restaurantes terem mesas dobraveis etc.).
Um outro exemplo nos marcou.
Parece que pessoas com limitações cognitivas, como sindrome de down, tem um lugar claro na nossa sociedade: longe do mercado de trabalho. Mas daí você vai pra um café como o Joyeux e vê um time de pessoas completamente diferente do que você esperaria em uma cafeteria. Um jeito de abraçar a diversidade que eu nunca vi (e acho que muitos de vocês também nunca viram).
Mas afinal, porque ninguém pensou num café assim antes?
Bom, tem alguns motivos de ninguém ter pensado nisso antes. Uma inovação como essa demanda criatividade. E tem algumas coisas que matam a criatividade. Uma delas é a culpa. Vamos pro próximo ponto.
3. culpa
Vou admitir. Não me esforcei no trabalho tanto quanto eu estou acostumado. Diria que o Otto trabalhou entre 70% e 80% do volume que ele tá acostumado em São Paulo. E isso tem tido um peso imenso em mim. O nome desse peso é culpa.
Por sorte, eu tenho flexibilizado as coisas e aprendido a lidar melhor com a culpa por aqui. Por mais que eu saiba (e pregue) que estar ocupado e ser produtivo são coisas completamente diferentes, viver essa realidade é difícil. Isso porque não estar ocupado gera culpa, pelo menos pra mim.
Por isso eu, e acredito que você, prefira estar ocupado do que lidar com a culpa de ter tempo livre para ver coisas novas e ampliar seu repertório. Mas é só quando a gente tem tempo livre e está aberto (e sem culpa) para ampliar nosso repertório que a gente é criativo. É assim que nascem os cafés Joyeux.
Inclusive, foi depois de uma viagem que a Mais Mu nasceu.
Grandes coisas vem do “ócio”. É difícil admitir isso. Viver uma realidade que te obriga a se abrir é uma ótima forma de aprender a lidar melhor com a culpa ampliar seu repertório.
e agora?
Jajá estamos voltando pro Brasil. Diferentes e iguais. Prontos pro novo e pro corriqueiro.
Como dizer por aí, você não pode mudar uma coisa antes de saber sobre ela. Mas, uma vez que você sabe, é impossível não mudar. Acho que é impossível, depois dessa experiência, não temperar mais as nossas vidas com momentos de “nomadismo digital”.
vaMU junto,